22/10/2013 - A ultrassonografia não apontou que Fernando de Souza Machado, nasceria especial 34 anos atrás. Com encurtamento dos braços, devido ao medicamento Talidomida, consumido pela mãe durante a gestação, o menino fez dos pés, suas mãos, a ponto de conseguir tirar, um ano depois e na segunda tentativa, a carteira de motorista.
Tem exatos cinco dias que o jovem que trabalha como assistente administrativo e turismólogo está devidamente habilitado. O carro, adaptado, é dirigido com os pés. O volante fica no pedal e por Fernando ser canhoto, é guiado pelo pé esquerdo. Já o direito fica responsável por frear e acelerar.
Difícil para a gente imaginar tamanha coordenação de se fazer baliza com os pés. Mas como tudo sempre foi feito pelos cinco dedos que pisam o chão, o desafio maior foi a burocracia encontrada pelo caminho.
O processo todo começou, pela segunda vez, em outubro do ano passado, direto com o Detran. “Você tem que passar pela Junta Médica, que pessoas sem deficiência não precisam passar. Mas eles não sabem das habilidades de cada deficiente e procuram ao máximo dificultar”, comenta.
O que acaba acontecendo é que muita gente se sente mesmo incapaz de pilotar e desiste. Em 2010, tirar carteira de habilitação entrou nos planos de Fernando pela primeira vez. A ‘demora’, já que 18 anos ele completou há um tempinho, foi pela falta de grana, já que até para fazer as aulas práticas era preciso do próprio carro adaptado.
Por esse motivo, ele acabou por adiar o projeto da independência ao volante. Três anos depois retomou o processo do zero, passado o período, tudo o que havia conseguido em relação à retirada de habilitação expirou. A surpresa em outubro veio pela negativa da Junta Médica que não considerou Fernando habilitado.
Os médicos que compõe a Junta precisam dar um laudo relatando as adaptações necessárias ao motorista para então declarar que ele está apto às aulas e ao exame prático.
“Quando a Junta barrou, um médico viu que eu não aceitei e ele levou minha causa adiante, falou com a chefia para reunir os médicos que me atenderam da primeira vez”, descreve. Foi assim que ele conseguiu ser aprovado no primeiro ‘teste’.
O processo começou a andar e as aulas foram começar só em janeiro deste ano. O primeiro contato com o carro adaptado foi no Detran, com um instrutor que ele insiste em reconhecer o trabalho e dar o nome “o Pio de Araújo Filho, ele me ensinou tudo”.
Os gastos na adaptação do carro somaram R$ 51 mil, entre a compra de um Gol automático e todas as adequações. Mas o sorriso que Fernando exibe ao mostrar como dirigir, não tem preço. A chave ele coloca na ignição com o pé direito. Em seguida puxa o freio de mão com o auxílio de uma alavanca, com a parte que tem do braço, a luz do farol, assim como a seta, se acendem por botões ao lado direito, abaixo do volante tradicional. Lá embaixo, os pés se posicionam para sair da garagem.
“80% do que eu faço é com os pés: dirigir, escovar os dentes, pentear o cabelo, tomar banho, digitar, escrever, comer. Tudo que eu já aprendi e executei foi com os pés, então para mim foi fácil”, argumenta.
O difícil mesmo, diz Fernando, foi a burocracia do processo, que dificulta as pessoas exercerem até sua cidadania. “Não existe legislação específica que beneficie vários tipos de deficiência, inclusive a minha”, completa.
Ao final do processo e com habilitação nos pés, ele vive a sensação de dever cumprido. “Tudo valeu à pena. Estou livre e não dependo de ninguém”.
Pergunto, no final da entrevista, quando é que ele se deu conta da deficiência imposta a ele por conta dos braços. “Comecei a ter noção que eu era diferente, entre aspas, na adolescência. Quando eu era criança não tive isso, sempre fui feliz”. Talvez seja por isso que Fernando não pareça ter 34 anos. Ele fez dos pés as mãos e do sorriso, a porta de entrada para quem quiser se achegar. E a carona que pedi a ele, vou cobrar.
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